terça-feira, 16 de novembro de 2010

CRIME DE ESTUPRO

Breve considerações acerca de crime de estupro após o advento da Lei 12.015/2009.

Cinara Marques Martins

Resumo: Principais mudanças da lei 12015/09 na tipificação dos crimes sexuais. Faz-se uma abordagem histórica acerca da evolução legislativa na seara dos delitos sexuais. Objetiva-se discorrer sobre a nova roupagem dada ao crime de estupro, observada pela unificação do revogado, mas não extinto, crime de atentado violento ao pudor, ao delito de estupro, ambos disciplinados em um mesmo tipo penal, previsão atual do art. 213. Aborda-se, também, questões polêmicas que a doutrina diverge, como a possibilidade de retroatividade da lei penal para alcançar fatos ocorridos antes da sua vigência, visto se tratar de lei mais benéfica ao réu.

Palavras-chave: Dignidade sexual. Lei 12.015/09. Estupro. Atentado violento ao pudor. Unificação. Retroatividade.


Abstract: Main changes in the law 12015/09 about the typification of sex crimes. Therefore, it makes a historical approach about the evolution in the sexual-related crimes issues. It discourses about the new appearance given to the crime of rape observed by the unification of the repealed, but no extinct crime of indecent assault with the crime of rape, both disciplined by the current article 123. It also approaches controversial issues that the doctrine diverges, like the possibility of retroactive criminal law for achieves facts occured before its validation because the law has more beneficial effects for the defendant.

Keywords: Sexual Dignity. Law 12.015/09. Rape. Indecent assault. Unification. Retroactive.


1 CRIMES SEXUAIS

Os crimes sexuais existem há bastante tempo. Exemplo disto são as cidades de Sodoma e Gomorra que foram destruídas em razão das práticas reiteradas de delitos (considerados pecados) e, a maioria, sexuais. Contudo, esses crimes são tratados pela sociedade e, conseqüentemente, pela legislação de acordo com a realidade social a que estão inseridos.


 Artigo Científico elaborado para obtenção parcial de nota referente ao 2º bimestre do 6º período – noturno do Curso de Direito. Disciplina Direito Penal IV. Professor Me. Armando Moury Fernandes.


O estupro, por exemplo, fora severamente reprimido pelos povos antigos. Nas leis de Moisés, compendiados na Bíblia - no Pentateuco (cinco primeiros livros: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio) -, havia previsão. Caso um homem mantivesse conjunção carnal com uma donzela noiva de outrem que encontrasse na cidade, ambos eram sancionados com a pena de lapidação, consistente no apedrejamento até a morte.
Porém, se o homem encontrasse a donzela nos campos e com ela praticasse o mesmo ato, usando de violência física, somente aquele era apedrejado. Sendo a mulher virgem, o homem ficava obrigado a casar-se com ela e, ainda ao pagamento de 50 siclos de prata ao seu pai.
No Código de Hammurabi o estupro era previsto no art.130 e estabelecia que “se alguém viola mulher que ainda não conheceu homem e viva na casa paterna e tem contato com ela e é surpreendido, este homem deverá ser morto e a mulher irá livre”.
No direito romano “o termo stuprum significava, em sentido amplo, qualquer ato impudico ou obsceno praticado com homem ou mulher, englobando até mesmo adultério e a pederastia . Em sentido estrito, alcançava apenas o coito com mulher virgem ou não casada, mas honesta.” (PRADO, 2008, p.637).
Havia, também, previsão legal do estupro nas Ordenações Filipinas no Livro V, Titulo XXIII, onde o estupro voluntário de mulher virgem acarretava ao autor a obrigação de casar-se com a donzela e, caso não force possível o casamento, havia imposição de constituir-lhe um dote. Se o autor não tivesse bens seria acoitado, exceto quando fosse de posição social privilegiada, em que este recebia somente a pena de banimento . Já o estupro violento era reprimido com a pena de morte, subsistindo mesmo que o autor casasse com a vítima.
O Código Criminal de 1830 colacionou diversos delitos sexuais sob a rubrica genérica de Estupro. Contudo, o legislador definiu o tipo penal no art. 122 cominando-lhe pena de prisão de 3 a 10 anos, além de constituir um dote em favor da ofendida. No entanto, se a ofendida fosse prostituta, a pena prevista era de apenas um mês a dois anos de prisão.

Pederastia é a prática sexual entre homens (homossexualismo).
Banimento era a pena consistente em proibir alguém de residir no próprio país ou em determinado território, ou seja, o apenado era exilado. Nos dizeres de BECCARIA, “quem perturba a tranqüilidade pública, quem não obedece às leis, quem viola as condições sob as quais os homens se mantêm e se defendem mutuamente, deve ser posto fora da sociedade, isto é, banido”. Contudo, com o advento da CF/88 esse tipo de pena foi, terminantemente, proibido. Conforme previsão em seu art. 5º, inciso XLVII, alínea “d”.




Conforme observado havia total desigualdade de tratamento, de modo que as prostitutas não eram consideradas detentoras de honra, pois a moral média fazia a seguinte distinção.
O Código Penal brasileiro, em seu título VI da Parte Especial, intitulado “Dos Crimes contra os Costumes”, tutelava a moral social sob a perspectiva sexual, de modo a não interferir nas relações sexuais dos indivíduos tidas como “normais”, mas reprimir as condutas consideradas “anormais” e, portanto, graves por afetarem a moral média da sociedade.
Desse modo, a proteção dos “bons costumes” era enaltecida frente a outros interesses penais juridicamente relevantes como a liberdade sexual. Ademais, a sociedade daquela época (da edição do CP, ano 1940) era patriarcal, pautada por valores ético-sociais que primava pela moralidade sexual e seus reflexos na organização familiar, onde a tutela dos direitos fundamentais individuais era secundária. As mulheres eram as principais preocupações em relação à sua moralidade sexual, fator este observável no crime de estupro, cujo sujeito passivo e ativo era próprio: somente homem poderia ser sujeito passivo, logo, apenas a mulher poderia ser vítima desse tipo penal.
Partindo-se da premissa que o Direito é produto histórico, ou seja, deve acompanhar as mudanças sociais, a disciplina sexual do Código penal tornou-se incompatível com a liberdade de ser, agir e pensar, garantida pela Constituição Federal de 1988. Além de assim o ser com um dos fundamentos da Carta Magna (art. 1º, III, CF/88), que é a dignidade humana; desse modo, surge a novel Lei 12.015/09 que alterou o Título VI do CP, atualmente denominado "Dos crimes contra a dignidade sexual”, com a finalidade de tutelar mais que a liberdade sexual, a dignidade humana e, obviamente, a sexual.
A alteração sofrida pelo CP mediante a lei 12.015/09 é devida à promulgação da CF/88, visto que a Carta Magna trouxe em seu bojo a institucionalização dos direitos e garantias fundamentais, modificando sobremaneira a extensão e interpretação das normas infraconstitucionais, e, portanto a disciplina dos crimes sexuais.
A expressão “Costumes” torna-se inadequada e remota mediante a realidade social, sendo mais bem empregada pela “dignidade”, pois abarca outras relações não abrangidas pelos “costumes”, de modo que a opção sexual de qualquer pessoa torna-se, perante o princípio corolário do Estado Social e Democrático de Direito, digna, pois dotada de liberdade assegurada constitucionalmente.
A Constituição da República elevou a dignidade da pessoa humana como um dos seus fundamentos (art. 1º, inciso III), o alicerce do Estado Democrático de Direito, fazendo-se claro que “os direitos fundamentais são um elemento básico para a realização do princípio democrático”. (PIOVESAN, 2010, p 26).
O princípio da dignidade humana representa o esforço de reaproximação da ética e do direito. Trata-se de um reencontro com o pensamento kantiano, com as idéias de moralidade, dignidade e paz perpétua.
Nos dizeres de Piovesan (2010, p.29):
As pessoas são dotadas de dignidade, na medida em que têm um valor pessoa de cada ser, sempre como um fim em si mesmo nunca como um meio. Adiciona Kant que a autonomia é a base da dignidade humana e de qualquer criatura racional. Lembra que a idéia de liberdade é intimamente conectada com a concepção de autonomia, por meio de um princípio universal da moralidade, que, idealmente, é o fundamento de todas as ações de seres racionais.
A dignidade da pessoa humana tem sua tutela, no âmbito internacional, na Convenção Americana de Direitos Humanos, do qual o Brasil é signatário, em seu art. 11: “1. Toda pessoa tem direito ao respeito de sua honra e ao reconhecimento de sua dignidade”.
Destarte, a proteção da dignidade sexual está diretamente ligada à liberdade de autodeterminação sexual da vítima (não importando se esta é prostituta ou não, heterossexual ou homossexual), à sua preservação no aspecto psicológico, moral e físico, de forma a manter íntegra a sua personalidade.
Certamente a dignidade humana “é uma referência constitucional unificadora dos direitos fundamentais inerentes à espécie humana, ou seja, daqueles direitos que visam garantir o conforto existencial das pessoas, protegendo-as de sofrimentos evitáveis na esfera social” (CHIMENTI, et. al. 2009, p. 34, grifo nosso).
Sendo assim, a dignidade abrange todas as relações sociais, está acima de qualquer coisa que se possa atribuir um valor, conforme nos ensina Kant, em uma de suas obras “Crítica da Razão Pura”, in verbis:
No reino dos fins, tudo tem um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem um preço, pode pôr-se, em vez dela, qualquer outra coisa como equivalente; mas quando uma coisa está acima de todo o preço, e, portanto não permite equivalente, então ela tem dignidade (Kant, 1991, p. 77).

Destarte, a intenção do legislador consistiu em adaptar às mudanças sociais ocorridas ao longo dos anos, bem como aos entendimentos doutrinários e jurisprudenciais sobre a matéria, à lei penal, uma vez que há relação direta entre a adequação legislativa e a evolução social.
Partindo desses pressupostos passemos a analisar as principais alterações introduzidas pela Lei 12.015/09 no que tange aos crimes sexuais, em especial, o delito de estupro (Capítulo I – Dos crimes contra a Liberdade Sexual – art. 213).

2 ESTUPRO – art. 213 CPB.

Conforme mencionado inicialmente, a lei 12.015/09 promoveu diversas modificações em boa parte do ordenamento jurídico, a começar pela alteração do Título VI do CP, anteriormente denominado “Dos Crimes contra os Costumes”, contemporaneamente sob a rubrica de “Crimes contra a Dignidade sexual”. Observemos as alterações operadas no art. 213 do CP, com a seguinte redação:
Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso:
Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.
§ 1º Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos:
Pena - reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos.
§ 2º Se da conduta resulta morte:
Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.
A partir da leitura desse dispositivo é necessário fazer algumas conceituações quanto às condutas que integram o tipo penal, como o que é compreendido por conjunção carnal e ato libidinoso:
• Conjunção carnal: Consiste na cópula vagínica, ou seja, a própria relação sexual, entendida como a intromissão do pênis na vagina, não importando se tal penetração é total ou parcial, sem necessidade de ejaculação. A conjunção carnal é uma espécie do gênero libidinagem.

Redação dada pela Lei nº 12.015, de 07.08.09.
Redação anterior: Art. 213 - Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça: Pena – reclusão de seis a dez anos.
Parágrafo único - (Revogado pela Lei n.º 9.281, de 04-06-1996).
Redação anterior do art. 214: Art. 214 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal:
Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos (Alterada pela Lei nº 8.072, de 25.07.90).
Parágrafo único - (Revogado pela Lei n.º 9.281, de 04-06-1996).


• Ato libidinoso: Engloba todos os atos de natureza sexual que não seja a conjunção carnal, com a finalidade de satisfação da libido do agente. Luiz Regis Prado elenca alguns atos que considera libidinosos, como: “fellatio ; coito anal; masturbação; toques e apalpadelas do pudendo e dos membros inferiores; contemplação lasciva; contatos voluptuosos, entre outros.
Segundo Hungria (apud CAPEZ, 2010, p.26) “ato libidinoso tem de ser praticado pela, com ou sobre a vítima coagida”
Segundo Capez (2010, p.26) ato libidinoso:
é aquele destinado a satisfazer a lascívia, o apetite sexual. Cuida-se de conceito bastante abrangente, na medida em que compreende qualquer atitude com conteúdo sexual que tenha por finalidade a satisfação da libido. Não se incluem nesse conceito as palavras, os escritos com conceito erótico, pois a lei se refere a ato, ou seja, realização física concreta.
Desse modo, o ato libidinoso pode ser caracterizado mesmo que não haja o contato de órgãos sexuais. Por exemplo: o agente que realiza masturbação na vítima; introduz o dedo em seu órgão sexual ou nele insere instrumento postiço; realiza coito oral, etc., consuma o delito em tela pela prática de atos libidinosos diversos de conjunção carnal.
Para a caracterização do ato libidinoso e, conseqüentemente, do delito em estudo Greco (2010, p. 483) entende “não ser necessário o contato físico entre o agente e a vítima”. De acordo com o ilustre penalista, a conduta do agente que, mediante violência ou grave ameaça, obriga a vítima a se masturbar, realiza o crime de estupro, pois a coação recai sobre a hipótese da prática de ato libidinoso.
Em corroboração ao entendimento exposto, Capez (2010, p. 28) afirma que a “vítima que é obrigada a praticar atos libidinosos em si própria, como a masturbação para que o agente a contemple lascivamente, embora não haja contato físico entre ela e o agente” configura o crime de estupro. Contudo, “se o agente forçar a vítima a contemplá-lo enquanto se masturba, não há que se falar no crime em tela, pois não houve participação física (ativa ou passiva) da vítima no ato libidinoso [...]”. (CAPEZ, 2010, p. 28).

Expressão latina que consiste na sucção oral do órgão genital masculino ou feminino, ou seja, é a prática de sexo oral.



Beijo lascivo:
Existem polêmicas acerca do beijo considerado lascivo, no que tange a desproporcionalidade da pena aplicada à gravidade da conduta.
A doutrina admite ser o beijo lascivo ato libidinoso diverso da conjunção carnal. Entretanto, há divergências quanto à caracterização do crime de estupro pela referida conduta, uma vez que a Lei dos Crimes Hediondos (Lei nº 8.072/90) prevê pena mínima de seis anos de reclusão, o que coloca em cheque os princípios da proporcionalidade, razoabilidade e da lesividade ao bem jurídico. Majoritariamente, a doutrina entende que o beijo lascivo deve ser classificado como a Contravenção Penal do art. 61 (LCP) ou deve declarar-se sua inconstitucionalidade por violação aos princípios supracitados.
O renomado jurista Luiz Flávio Gomes tem inovado na interpretação legislativa penal adotando as teorias de Claus Roxin, das quais lhe possibilita fazer a seguinte indagação:
Um beijo lascivo é crime hediondo? Quem interpreta a lei de forma literal diz (absurdamente) sim e admite então para esse fato a pena de seis anos de reclusão, que é igual a do homicídio; quem busca a solução justa para cada caso concreto jamais dirá sim (esse beijo poderia no máximo, constituir uma contravenção penal - art. 61, LCP: importunação ofensiva ao pudor). (GOMES apud CAPEZ, 2010, p.28).
Em corroboração ao entendimento de Gomes, Cezar Bittencourt ratifica que, em se tratando de atos libidinosos como “apalpadelas, amassos e beijos lascivos”, sempre deve ser enquadrado como a contravenção penal supramencionada (art. 61 LCP).
De outro modo, Damásio de Jesus entende que:
O beijo lascivo quando praticado com o emprego de violência ou grave ameaça, igualmente tipifica o crime em tela, mas evidentemente não se pode considerar como ato libidinoso o beijo casto e respeitoso aplicado nas faces, ou mesmo “o beijo roubado”, furtiva e rapidamente na pessoa admirada ou desejada. Diversa, porém é a questão, quando se trata do beijo lascivo nos lábios aplicado à força, que revela luxúria e desejo incontido, ou quando se trata de beijo aplicado nas partes, pudendas. (DAMASIO apud, CAPEZ, 2010, p.28).
Ademais, observamos que a pena é desproporcional à conduta do agente em dar um beijo lascivo e ser penalizado com pena igual à do homicídio simples onde a proteção ao bem jurídico é diferente. Neste, protege-se o bem maior - a vida- e, naquele tutela-se a liberdade sexual, não menos importante, mas secundário à vida.

Art. 61 da Lei de Contravenções Penais – importunação ofensiva ao pudor: “importunar alguém, em lugar público ou acessível ao público, de modo ofensivo ao pudor”. A punição é apenas com multa.



Parece-nos que o legislador deu igual tratamento aos bens jurídicos tutelados, o que é louvável, todavia, o caráter hediondo do delito tende a punir mais severamente condutas menos lesivas, como é o caso do beijo lascivo, ferindo os princípios da proporcionalidade, insignificância e razoabilidade. Dessa forma, deve-se analisar o caso concreto cuidadosamente fazendo uma interpretação sistemática e não, somente, a literal ou gramatical, para atribuirmos um tratamento justo na aplicação legislativa.
Em conseqüência da nova redação trazida pela lei 12.015/09 ao art. 213 CP, verifica-se que o legislador visa tutelar a dignidade sexual, em sentido amplo e, em strictu sensu, a liberdade sexual da pessoa humana e o seu desenvolvimento sexual.
Os agentes ativo e passivo do delito em estudo podem ser qualquer pessoa, tanto homem quanto mulher, prostitutas ou garotos de programa e homossexuais ou transexuais e até pelos cônjuges, noivos ou namorados, o que o caracteriza como crime comum. Isto representa uma novidade frente à antiga redação dada a este delito, pois o mesmo era classificado como bi-próprio, ou seja, tanto o sujeito ativo quanto o passivo eram próprios, devendo ser praticado por homem cuja vítima somente poderia ser mulher, visto que era caracterizado pela conjunção carnal.
Com o advento da lei 12.015/09, o art. 1º, V e VI da Lei 8.072/90 foi alterado, recebendo nova redação, mas ratificou-se a hediondez do delito em estudo. Ademais, conforme a posição majoritária da jurisprudência, o Estupro é crime hediondo em qualquer de suas modalidades, seja na forma simples quanto na qualificada, bem como o anterior estupro com presunção de violência, que passou a ser tipificado no art.217 – A como Estupro de Vulnerável, também, é considerado crime hediondo.

6 Significa que o seu titular determina seu comportamento sexual conforme motivos que lhe são próprios no sentido de que é ele quem decide sobre sua sexualidade, sobre como, quando ou com quem mantém relações sexuais.




2.1 Unificação dos arts. 213 e 214 CP feita pela Lei 12.015/09, resultando apenas no art. 213 sob o título de estupro: a não ocorrência de abolitio criminis do delito de atentado violento ao pudor.

A lei 12.015 de 07 de Agosto de 2009, dentre outras modificações e inovações, unificou os tipos penais dos arts. 213 e 214 em uma só figura, que é o crime de estupro previsto no art. 213 CP, tornando-o tipo penal misto alternativo. Sendo assim, a prática da conjunção carnal e/ou outro ato libidinoso contra a mesma vítima, no mesmo contexto, é crime único.
É nesse sentido que tem decidido os Tribunais, por exemplo, a 2ª Câmara do Tribunal de Justiça de Goiás, em julgamento da Apelação Criminal (nº 37072-8/213) reconheceu a unificação dos delitos em estudo, além de afastar a possibilidade de concurso material de crimes, conforme segue:
Apelação Criminal. Delitos de estupro e atentado violento ao pudor. Absolvição. Impossibilidade. Concurso material entre os artigos 213 e 214, do CP. Afastamento. Lei 12.015/09. 'novatio legis in mellius'. I - Não há cogitar-se de absolvição quando comprovadas, pela prova jurisdicionalizada, em especial pela palavra da vitima, corroborada pelas provas pericial e testemunhal produzidas, a autoria e a materialidade dos crimes imputados ao reu. II- Com o advento da Lei 12.015/09, houve a unificação dos crimes de atentado violento ao pudor e o de estupro, cujo conceito foi ampliado para abarcar os atos libidinosos diversos da conjunção carnal, sendo de rigor, nas circunstancias, afastar a regra do concurso material de crimes, ante a retroatividade da lei penal mais benéfica. Recurso conhecido e improvido. Sentença reformada, parcialmente, de oficio. (TJGO – Des. Nelma Branco Ferreira Perilo – Apelação Criminal 37072-8/213).
O art. 214 do CP (atentado violento ao pudor) foi revogado pela novel lei, todavia não houve a extinção desse crime, o instituto do abolitio criminis, tendo em vista que as ações tipificadas na antiga redação do referido artigo encontram-se disciplinadas na nova redação do art. 213 do CP, sob a rubrica de Estupro.
No entanto, existem julgados que reconhecem ter havido a extinção da punibilidade do delito de atentado violento ao pudor por conta da extinção do mesmo – abolitio criminis “peculiar”-, uma vez que o art. 214 foi revogado pela lei 12.015/09. É o que dispõe a seguinte jurisprudência do Tribunal de Justiça de Santa Catarina:
Apelação criminal - Crime contra a dignidade sexual - Estupro contra sobrinha (CP, art. 213 c/c art. 226, II) - Materialidade e autoria comprovadas - Ausência do exame atestando a presença de esperma - Crime consumado - Desistência voluntária ou arrependimento eficaz não configurados - Atentado violento ao pudor (CP art. 214) - Superveniência da lei n. 12.015/2009 - Migração da conduta típica ("outro ato libidinoso") para a previsão legal do delito de estupro (CP, art. 213) - Fenômeno da "continuidade normativo-típica" - Proibição da conduta subsistida – Nova redação que configura tipo penal misto alternativo - Inviabilidade de condenação em concurso de crimes - Retroatividade da lei penal benéfica - novatio legis in mellius (CF, art. 5º, inc. XL e CP, art. 2º, par. un.) - Abolitio criminis peculiar - reconhecimento, ex officio, da extinção da punibilidade quanto ao crime de atentado violento ao pudor (CP, art. 107, III; e, CPP, art. 61) (...)assim, a Lei n. 12.015/2009, ao conferir nova redação ao artigo 213 do Código Penal, instituiu a tipicidade mista alternativa, cuja aplicação repele a possibilidade de concurso de crimes entre o estupro e o atentado violento ao pudor em suas redações pretéritas, de ordem a inviabilizar a dupla punição, razão pela qual, como reflexo, deve ser decretada, ex officio, a extinção da punibilidade do agente condenado pelo delito de atentado violento ao pudor, haja vista a peculiar hipótese de abolitio criminis (CP, art. 107, III; e, CPP, art. 61). (TJSC – Des. Salete Silva Sommariva – Apelação Criminal 2008.080994-5).

7 Abolitio Criminis significa abolir ou extinguir o crime, ou seja, não mais considera o fato como criminoso. É uma causa de extinção da punibilidade prevista no art. 107, inciso III do CP.


Apesar das divergências, acreditamos que não houve a descriminalização do comportamento até então previsto como atentado violento ao pudor, apenas houve uma mudança do nome jurídico da aludida infração penal, passando a ser chamada de Estupro a conduta de “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”. (CP, art. 213, grifo nosso).
Destarte, o que ocorre é a aplicação do chamado princípio da continuidade normativo-típica, através do qual se entende que houve tão-somente, uma migração dos elementos anteriormente constantes da revogada figura prevista no art. 214 para o art. 213 do mesmo diploma repressor.

2.2 Impossibilidade de concurso material de crimes: relação entre Alternatividade x Cumulatividade x continuidade delitiva.

Antes da reforma do Título VI do CP pela Lei 12.015/09, o concurso material dos crimes de estupro e atentado violento ao pudor era perfeitamente admissível, uma vez que se tratava de dois tipos penais diversos: o estupro era caracterizado somente se houvesse a conjunção carnal, enquanto que o atentado violento ao pudor caracterizava-se pela prática de ato libidinoso diverso de conjunção carnal.
Todavia, com o advento do novel dispositivo, houve a unificação dos tipos penais (arts. 213 e 214) de modo que a realização da conjunção carnal e de outro ato libidinoso configura apenas um delito (Estupro), sem possibilidade de concurso material de crimes.
A figura do art. 213 é constituída de verbos em associação: a) Constranger alguém a ter conjunção carnal; b) Constranger alguém a praticar outro ato libidinoso; c) Constranger alguém a permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso. Assim sendo, há três possibilidades de realização do delito, de forma alternativa, isto é, se o agente praticar uma ou as três condutas, desde que contra a mesma vítima, no mesmo local e horário, constitui um só crime. É o que dispõe o item IV, da jurisprudência a seguir:
Apelação Criminal. Nulidade processual. Suspeição do juízo. Parcialidade. Não caracterização. Crimes sexuais praticados pelo pai contra as filhas menores de 14 anos. Absolvição. Impossibilidade. Pena. 'novatio legis in mellius'. Retroatividade. Aplicação de oficio. I - A suspeição só pode ser deduzida por meio de exceção, não como preliminar da apelação, não fosse improcedente o motivo que a consubstancia, proferimento de sentença contraria aos interesses do acusado, que não está contemplado na taxativa enumeração do art. 254 do CPP. II - Nos crimes sexuais, ordinariamente praticados a sorrelfa, ganham relevo as palavras das vitimas que, arrimadas no acervo probatório, atestam os abusos sexuais cometidos. III - Nao há que se falar em absolvição por insuficiência de provas se a negativa de autoria e versão isolada do caderno de provas. IV - Dada a recente unificação das condutas de estupro e atentado violento ao pudor sob o mesmo tipo penal, fica admitida a continuidade delitiva quando caracterizados crime de estupro e atentado violento ao pudor cometidos com similitude de tempo, lugar e 'modus operandi' mormente quando a providência se mostra mais benéfica ao réu. V - Apelo improvido. Pena retificada de oficio. (TJGO – Des. José Lenar de Melo Bandeira – Apelação Criminal 36831-8/213).
Entretanto, há quem assegure que a nova tipificação do artigo em comento é um tipo misto cumulativo, ou seja, se o agente praticar duas ou mais condutas descritas no tipo penal, ainda que contra a mesma vítima, no mesmo cenário, deveria responder por dois delitos em concurso material, somando-se as penas.
Pelo princípio da legalidade entende-se que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (CF/88, art. 5º, inciso II). Logo, fazendo uma interpretação literal da nova redação do art. 213, observa-se que o legislador fez adoção do tipo na forma alternativa indicada pela partícula ou. Tanto faz o agente realizar uma conduta como duas ou mais que o delito será único.
Nucci (2010, p. 816) com muita propriedade assegura que:
Visualizar dois ou mais crimes, em concurso material, extraídos das condutas alternativas do crime de estupro, cometidos contra a mesma vítima, na mesma hora, em idêntico cenário, significa afrontar o princípio da legalidade (a lei define o crime) e o princípio da proporcionalidade, vez que se permite dobrar, triplificar, quadruplicar etc., tantas vezes quantos atos libidinosos forem detectados na execução de um único estupro.

Evidentemente que a nova redação do crime de estupro adotou a forma alternativa, excluindo-se de vez a possibilidade de cumulatividade das condutas, ou mesmo aquilo que alguns doutrinadores chamam de tipo híbrido, onde se mistura alternatividade e cumulatividade.
O delito continuado surge “quando se detecta a sucessividade das ações no tempo, podendo-se, também, captar mais de uma lesão ao bem jurídico tutelado”. (NUCCI, 2010, p.818).
O crime continuado está previsto no art.71 CP e trata-se de uma ficção criada em favor do réu, buscando uma justa aplicação da pena, quando se observa a prática de várias ações, separada no tempo, mas com proximidade suficiente para se supor serem umas confirmações das outras.
A continuidade delitiva, por sua vez, entendeu-se ser possível, contudo deve-se analisar minuciosamente o caso concreto para sua configuração. Ilustrando, se o agente mantiver uma mulher por alguns anos e durante dias seguidos lhe constranger a conjunção carnal ou outro ato libidinoso, cometerá vários estupros em continuidade delitiva.
Nesse sentido tem entendido os Tribunais, conforme nos revela a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, a seguir:
APELAÇÃO CRIME. CRIMES CONTRA OS COSTUMES. ESTUPRO E ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. PROVA. CONDENAÇÃO MANTIDA. A materialidade e a autoria restaram suficientemente comprovadas pela prova produzida nos autos, notadamente considerando o depoimento da vítima, amparados pelo auto de exame de corpo de delito, que confirma o constrangimento submetido pelo réu, o qual admitiu parcialmente o delito. Atentado violento ao pudor e estupro. Continuidade delitiva. Possibilidade, ante a nova redação do artigo 213 do Código Penal. Tratando-se de crimes do mesmo gênero e da mesma espécie, conforme a recente alteração advinda com a lei 12.015/09, resta admitida a continuidade delitiva, com o fracionamento de 1/3 aplicado à pena maior, por serem cinco os fatos cometidos. Apelo da defesa provido, para admitir a atenuante da confissão espontânea no segundo fato e para admitir a continuidade delitiva entre os cinco fatos descritos na denúncia. (Apelação Crime Nº 70030230593, Oitava Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Isabel de Borba Lucas, Julgado em 19/08/2009).

8 São vários estupros porque o agente investiu contra a mesma vítima em dias sucessivos. Contudo, se em cada dia o agente teve conjunção carnal e praticou beijo lascivo com a vítima, não cometeu dois estupros, mas um único por dia.


2.3 Retroatividade da lei penal mais benéfica: princípio da novatio legis in mellius
O princípio da irretroatividade da lei penal está previsto na Constituição Federal, no art. 5º, inciso XL que dispõe “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”. Já o art. 2º e seu parágrafo único do CP prevêem que:
Art. 2º: Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória.
Parágrafo único - A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado.
A partir da leitura desses dispositivos é possível afirmar que, por ser mais benéfica ao réu, a lei 12.015/09 retroagirá e alcançará fatos praticados antes da sua vigência. Isto significa a aplicação do princípio da novatio legis in mellius, ou seja, a nova lei é melhor ou mais favorável ao condenado. Entretanto, a retroatividade desta lei já foi objeto de grandes celeumas doutrinário e jurisprudencial.
Segundo Nucci (2010, p. 818), “a figura do art. 213, com nova redação dada pela Lei 12.015/09, é favorável ao réu e deve retroagir, atingindo todos os que foram condenados, antes, pela prática de estupro e atentado violento ao pudor [...] em concurso material de infrações penais”.
Assim, existem diversas decisões no sentido de aplicar a retroatividade da lei 12.015/09 no que tange ao crime de estupro, conforme exemplo abaixo:
Apelação Criminal. Prática de conjunção carnal e outro ato libidinoso. Materialidade e autoria delitiva. Conjunto de provas congruente. Manutenção da condenação. Palavra da vítima em consonância com demais provas. Retroatividade da Lei mais benéfica. Aplicação das alterações introduzidas pela nova lei nº 12.015/09. Condenação tipo único. Aplicação da pena. 1 - Sendo o conjunto probatório coerente e harmonioso a indicar condenação, não procede a pretensão absolutória. 2 - A palavra da vítima, nos crimes sexuais, especialmente quando corroborada por outros elementos de convicção, tem grande validade como prova, porque, na maior parte dos casos, esses delitos, por sua própria natureza, não contam com testemunhas e sequer deixam vestígios. 3 - Considerando as alterações introduzidas pela Lei n° 12.015/09 aos crimes sexuais, e tendo em conta que a conduta de pratica de ato libidinoso e conjunção carnal se subsumiram no estupro, constituindo crime de conteúdo múltiplo, bem assim a aplicação do principio da retroatividade da lei para beneficiar o réu, deve ser alterada, de oficio, a sentença para aplicar condenação em tipo único. 4 - Alterando-se a condenação, via de conseqüência, altera-se também a aplicação da sanção penal, a qual fica fixada, definitivamente, in casu, em 9 anos de reclusão, a ser cumprida inicialmente em regime fechado. Apelação conhecida e provida. Sentença reformada de oficio para alterar a condenação em aplicação da lei 12.015/09 (novatio legis in mellius), via de conseqüência, modificando a pena. (TJGO – Des. Rozana Fernandes Camapum – Apelação Criminal 32559-1/213). TJ GO – 1ª Câmara.
Greco elenca algumas orientações a serem seguidas na retroatividade desta lei, como:
Se já houver condenação, e o processo estiver em grau de recurso, poderá o Tribunal ajustar a condenação, a fim de encontrar a chamada pena justa. Se o condenado já estiver cumprindo pena, competirá ao juiz da execução, nos termos do art. 66, I da LEP, ajustar a condenação, desde que, para tanto, não tenha necessidade de reavaliar as provas, pois que, neste caso, a competência será a do Tribunal, através da ação de revisão criminal. (GRECO, 2010, p.487).
Cabe fazer uma análise acerca da competência para aplicação da lei aos casos já julgados. A dúvida reside se é caso de revisão criminal ou incidente de execução. A partir de decisões feitas nesse sentido, afirma-se ser competência do juízo da execução criminal e não hipótese de revisão criminal. Nesse sentido, temos a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande Sul que nega procedência à revisão criminal:
REVISÃO CRIMINAL. ESTUPRO. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. RETRATAÇÃO. JUSTIFICAÇÃO JUDICIAL. PROVA INSUFICIENTE. RETROATIVIDADE. LEX MITIOR. INVIABILIDADE. 1. A simples retratação da ofendida, em audiência de justificação judicial, não é suficiente para a desconstituição da condenação criminal de seu padrasto, por atentado violento ao pudor. Necessário, outrossim, avaliar as razões dessa nova postura, cotejando-a com as provas carreadas aos autos e às máximas da experiência. 2. Preliminar ministerial rejeitada. A revisão criminal não é a via adequada para a aplicação de lei nova mais benéfica ao condenado. Eventual apreciação acerca da Lei 12.015/2009, (lex mitior) incumbe ao juízo da execução criminal, nos termos do artigo 66, inciso I, da Lei de Execuções Penais e da Súmula 611 do STF. Rejeitaram a preliminar argüida pelo MP envolvendo tese de aplicação imediata da Lei 12.015/2009 e julgaram improcedente a revisão criminal. Unânime. (Revisão Criminal Nº 70031696107, Terceiro Grupo de Câmaras Criminais, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Mario Rocha Lopes Filho, Julgado em 16/10/2009).

2.4 Provas do delito e sua verossimilhança

Os crimes sexuais, em regra, são cometidos às escondidas, sem qualquer visibilidade, inclusive para impossibilitar à vítima qualquer chance de alcançar socorro. O estupro, por sua vez, segue a regra, o que dificulta sua comprovação por meio de testemunhas, além do mais, na maioria dos casos a violência sexual é praticada entre pessoas conhecidas, como casais (namorados, noivos e casados ou companheiros).
Nesses casos, como chegar ao convencimento fundamentado em provas, na medida em que nem sempre é possível o exame de corpo de delito, se de um lado temos a palavra do acusado (negando o delito) contra a palavra da vítima (afirmando a ocorrência desse delito)?
Greco suscita uma “solução”, onde afirma que devemos aplicar a teoria conhecida em criminologia como síndrome da mulher de Potifar , em que se confirma a necessidade do julgador dos delitos sexuais, in casu, de estupro, analisar cautelosamente a verossimilhança das provas, em especial do testemunho da vítima para não se incorrer em condenação de inocentes.
O juiz deverá analisar o passado comportamental de ambos, buscando conferir maior credibilidade a quem lhe passar confiança e retidão, de modo que a falta de credibilidade da vítima poderá absolver o acusado, ao passo que a verossimilhança de suas palavras será decisiva para uma sentença condenatória. Entretanto, na praxe ocorre que a palavra da vítima é admitida quase sempre como verdadeira, tendo validade. Mas devemos atentar para todo o conjunto probatório e atestar a verdade real dos fatos. Nesse sentido, temos julgamento, conforme jurisprudência abaixo:

Apelação Criminal. Prática de conjunção carnal e outro ato libidinoso. Materialidade e autoria delitiva. Conjunto de provas congruente. Manutenção da condenação. Palavra da vítima em consonância com demais provas. Retroatividade da Lei mais benéfica. Aplicação das alterações introduzidas pela nova lei nº 12.015/09. Condenação tipo único. Aplicação da pena. 1 - Sendo o conjunto probatório coerente e harmonioso a indicar condenação, não procede a pretensão absolutória. 2 - A palavra da vítima, nos crimes sexuais, especialmente quando corroborada por outros elementos de convicção, tem grande validade como prova, porque, na maior parte dos casos, esses delitos, por sua própria natureza, não contam com testemunhas e sequer deixam vestígios. (TJGO – Des. Rozana Fernandes Camapum – Apelação Criminal 32559-1/213). TJ GO – 1ª Câmara.


8 Para entendermos do que se trata essa teoria criminalística devemos, primeiramente, compreender a fonte das expressões utilizadas. A partir de ensinamentos bíblicos se extrai, do Livro de Gênesis, no capítulo 39, (escrito por Móises) a história de José que, em suma, foi vendido por seus irmãos aos ismaelitas, estes o venderam ao egípcio capitão da guarda do palácio real, chamado Potifar. José, porém, ganhou confiança de Potifar que o promoveu a administrador de sua casa e de tudo o que lhe pertencia. Por ser um homem bonito, a esposa de Potifar sentiu-se atraída por José e quis com ele ter relações sexuais, mas foi rejeitada. Contudo, a mulher acusou José de ter invadido seu quarto na tentativa de abusá-la sexualmente. Potifar, portanto, prendeu José na cadeia onde ficavam os presos do rei, apesar deste ser inocente. (Greco, 2010, p. 473).


A prostituta tem sua liberdade sexual tutelada, uma vez que a prostituição não é crime, mas apenas ato imoral. Entretanto, o que se torna difícil é a comprovação do delito de estupro baseando-se na palavra da vítima prostituta, visto que a mesma pode ludibriar o agente (e o julgador), fingindo ter sido estuprada para cobrar preço maior do que o acertado pelo programa.
Destarte, as provas do crime de estupro envolvem a materialidade delitiva (mas nem sempre este delito deixa vestígios), comprovada através de exame de corpo de delito para atestar a conjunção carnal, violência empregada, violência moral; bem como a prova de autoria, que segundo o art. 167 do CPP “não sendo possível o exame de corpo de delito por haverem desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta”. Como dito acima, a palavra da vítima tem valor probatório relativo, devendo ser aceitas com reservas.
Vale consignar que a partir da novel lei, no caso de gravidez resultante de ato libidinoso diverso da conjunção carnal, para aplicação da causa especial de exclusão do delito de aborto do art. 128, inciso II, do Código Penal, não se utiliza mais a analogia, visto que o delito de atentado violento ao pudor foi deslocado para integrar o crime de estupro (art.213), sendo assim, se a gravidez decorre de ato libidinoso diverso de conjunção carnal, é resultante de estupro.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Deduz-se que, embora a nova Lei tenha pacificado algumas controvérsias, também deu ensejo a outras, o que é característico no mundo jurídico. Desse modo, foi possível verificar avanços e retrocessos referentes à matéria.
As alterações promovidas pela novel lei 12.015/09 alteraram sobremaneira a legislação penal brasileira. Mas observa-se que ainda há muito que fazer, visto que aos poucos o preconceito e o machismo vêm desaparecendo dos tipos penais como se pode constatar com a unificação dos delitos de estupro (em que qualquer pessoa pode sujeito ativo ou passivo) e atentado violento ao pudor sob uma única figura: estupro.
Existem doutrinadores que asseguram ter ocorrido um sutil avanço em relação ao que se esperava da reforma sobre crimes sexuais. Entre eles, os seguintes: não tipificação dos crimes de pedofilia; tratamento desigual da lei em relação ao estupro de vulnerável e o crime de estupro propriamente dito; o fim da Ação Penal Privada nos casos da vítima maior de 18 anos, com a nova redação do artigo 225; aumento da carga de trabalho dos juízes e promotores com as novas regras processuais; revisão pelo Juiz da Execução Penal de todas as penas aplicadas nos crimes sexuais. Entendemos que a providência é ex oficio, independentemente de provocação das partes visto que é matéria de ordem pública; além de existir enorme possibilidade de aplicação de penas desproporcionais.
Por outro lado, observa-se a lei 12.015/09 deixou algumas lacunas no que tange às disposições do delito de estupro e estupro de vulnerável, em que existem duas críticas pertinentes, a nosso ver: a primeira é que o Estupro de vulnerável – não apresenta as elementares “violência ou grave ameaça”. Pelo principio da legalidade estrita, caso o delito seja praticado com violência ou grave ameaça, o crime será o do art. 213 e não o do art. 217-A. Contudo, o limite para ocorrência do deslocamento para o tipo do art.213 é a lesão corporal leve, uma vez que sendo a lesão grave ou ocorrer a morte do vulnerável o crime será de estupro de vulnerável qualificado pela lesão corporal grave (217-A, § 3º) ou pela morte (217-A, § 4º CP).
A segunda crítica refere-se ao estupro de alguém ocorrido no dia de seu décimo quarto aniversário; Se for cometido sem violência ou grave ameaça, por não ser possível dizer que estamos diante de alguém menor de 14 anos (vulnerável), não se aplica o art. 217-A, assim o tipo penal em questão será o delito do estupro (art.213), exceto se a vítima for alguém que por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência, hipóteses em que será aplicado o art. 217-A (estupro de vulnerável). Vale ressaltar, que sem sendo aplicado o art. 213, não há que se falar na qualificadora da segunda parte do parágrafo primeiro, visto que a vítima não é maior de 14 anos, e sim, tem 14 anos.
Diante do exposto, depreende-se que as opiniões antagônicas sempre existirão e serão necessárias. Não só porque elas instigam e provocam o debate democrático, mas também pela inexorável constatação de que o Direito se transforma juntamente com a sociedade. Foi por meio de exposições e enfrentamentos de temas polêmicos que a Lei 12.015/2009 evoluiu. Do mesmo modo, o presente artigo pretende dar a sua parcela de contribuição para a construção dessa importante dialética cognitiva, objetivando novos avanços e um Direito Penal mais justo.

Essas críticas foram levantadas por Luiz Carlos Furquim Vieira. Entretanto, entendemos sua pertinência, uma vez que a lei deixou alguns pontos obscuros e/ou omissos.


REFERÊNCIAS
BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. 2. ed. São Paulo: Martin Claret, 2000.
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: Parte Especial. 8. ed. vol. 3. São Paulo: Saraiva, 2010.
CHIMENTI, Ricardo Cunha; SANTOS, Marisa Ferreira dos; ROSA, Márcio Fernando Elias e CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Constitucional. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
GÓIAS. Tribunal de Justiça do Estado – 2ª Câmara. Apelação Criminal nº. 37072-8/213-GO.
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Especial. 7. ed. vol. III. Rio de Janeiro: Impetus, 2010.
MARQUES, Archimedes. Agora, tanto Homem quanto Mulher podem cometer o Crime de Estupro. Disponível em Acesso em: 25 out. 2010.
NUCCI, Guilherme de Souza. Crimes contra a dignidade sexual. Comentários à Lei 12.015, de 7 de agosto de 2009. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 6. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.
PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o direito constitucional internacional. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
PRADO, Luis Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. 7. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. Vol. 2, 2008.
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Estado. Apelação Crime Nº 70030230593, 8ª Câmara Criminal. Relatora: Isabel de Borba Lucas, Julgado em 19/08/2009.
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Estado. Revisão Criminal Nº 70031696107, 3º Grupo de Câmaras Criminais. Relator: Mario Rocha Lopes Filho, Julgado em 16/10/2009.
SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça do Estado. Des. Salete Silva Sommariva – Apelação Criminal n º2008.080994-5.
SEGUNDO, Luiz Carlos Furquim Vieira. Comentários sobre o crime de estupro após o advento da lei 12.015/09. Disponível em Acesso em: 26 out. 2010.

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